Revistas
excluem adolescentes negras: 'Estou no Brasil, mas me sinto na Rússia'
Isabela Reis* Especial para a BBC Brasil - SET 2014
A pedido
da BBC Brasil, a estudante de Jornalismo Isabela Reis analisou o conteúdo de
três revistas voltadas para o público adolescente em busca de exemplos
concretos da falta de representatividade de meninas negras na mídia. O artigo
abaixo faz parte de um especial que busca dar voz a jovens nos principais
debates que mexem com o Brasil.
A invisibilidade dos negros na mídia brasileira não
é assunto novo, mas as revistas para o público adolescente revelam um quadro
cruel de exclusão. Em um país onde 57,8% das meninas de 10 a 19 anos se
declaram pretas ou pardas (categorias cuja soma é comumente usada para medir a
população negra), as publicações juvenis não as enxergam. Somente as brancas
estão nas páginas. Não há diversidade.
É difícil crescer lidando com produtos que não te
contemplam. Como explicar para uma pré-adolescente negra, em plena formação de
identidade, que ela é bonita, se a revista preferida ignora seu tom de pele?
Como enaltecer a beleza afro, se o conteúdo estimula o embranquecimento? Como
acreditar que o crespo é normal, se as reportagens só exibem cabelos lisos?
Estamos no século 21 e parece que paramos no tempo. Nós queremos existir.
As edições de agosto das três principais revistas
para adolescentes do país omitem a população negra. Atrevida, Capricho
e Todateen: 294 páginas, apenas cinco fotos de adolescentes pretas ou pardas.
Na Capricho, uma imagem estava num anúncio; outra apresentava a nova
integrante da equipe de leitoras que colaboram com a revista. Na Todateen,
duas fotos estavam no mural de fãs; a terceira, como na concorrente, era da
equipe de colaboradoras. E só. A Atrevida não trouxe uma adolescente
negra. As cantoras e atrizes pretas ou pardas conseguiram espaço nas
publicações pela fama, não pela cor. Foram 114 páginas de padronização e
exclusão.
As redações sabem da composição do público. Quatro
das cinco imagens foram enviadas por leitoras negras. Elas compram, leem, se
interessam, interagem, participam, colaboram. Elas estão presente e são
ignoradas. Não havia um editorial de moda com modelos negras, uma seção de
penteados para cabelos cacheados e crespos ou uma dica de maquiagem para pele
negra. As revistas abordam bullying, sexo, masturbação, compulsões, vícios,
sempre com personagens brancas, como se as questões não afetassem ou não
interessassem as negras.
Image
caption Isabela analisou as edições de agosto de três revistas voltadas para
adolescentes no Brasil.
O racismo também não foi pauta. Estamos em 2014, as
pessoas ainda xingam negros de "macaco" e a juventude negra está
sendo massacrada. O Mapa da Violência 2014, da Flacso Brasil, denunciou aumento
de 32,4% nos homicídios de negros de 15 a 24 anos entre 2002 e 2012. Para cada
jovem branco que morre, 2,7 jovens negros perdem a vida. E ninguém toca no
assunto.
As revistas não responderam às tentativas de
contato. Se retornassem, conseguiriam justificar? É possível explicar a
predominância das brancas nas páginas, quando elas são apenas uma parte das
meninas de 10 a 19 anos? Se houvesse lógica nos números, 57,8% das imagens
deveriam ser de meninas negras. Não é o que acontece.
Somos aproximadamente 9,7 milhões de cores, de
cabelos com personalidade própria, de bocas grandes, de narizes largos, de
sorrisos lindos, de leitoras, de público que vai pagar pelas revistas, de
lucro. E ainda assim, não estamos lá. A mídia nos vende uma realidade que não
existe. Vivemos no Brasil, o país da miscigenação. Ao abrir uma revista, me
sinto na Rússia.
É cruel com as crianças que crescem com o
sentimento de não pertencer ao universo apresentado nas revistas. É cruel com
as adolescentes que se convencem que, ao alisar o cabelo e parar de tomar sol,
vão se encaixar no padrão irreal. É cruel com as famílias que precisam
trabalhar em dobro para promover a aceitação. Deviam ter as revistas como
aliadas, mas elas são, na verdade, um desserviço.
*Isabela
Reis é estudante de Comunicação Social da UFRJ e tem 18 anos