domingo, 27 de dezembro de 2015

A arte da dança - Bale

Joburg Ballet, o outro sonho de Mandela
Durante o ‘apartheid’, o balé era só de brancos na África do Sul. Mas, desde os anos 90, duas gerações de artistas do Joburg Ballet de Johanesburgo se esforçam para que a cor da pele ou a origem étnica não tenham importância
PARTE UM

 Os bailarinos Claudia Monja e Keke Chele. Bill Zurich

A noite inaugural da temporada de primavera no The Mandela, o auditório principal do Joburg Theatre, é uma cerimônia de luxo. Uma festa no país africano, que não se libertou de todo da sombra do apartheid. Na África do Sul a primavera começa em 1 de setembro, a temperatura é suave e um vento cálido emerge das savanas até a agitada cidade moderna. Ao entardecer há uma espécie de leve bruma que esfumaça o horizonte: é o pó residual das minas, uma areia no ar, talvez uma hiperbólica condensação.
O Joburg Theatre se ergue no centro de Johanesburgo, ao lado do parque da Constituição, o monumento a Mandela e os blocos contemporâneos dos edifícios da Prefeitura e do Comitê dos Direitos Humanos. É uma conquista da dança que seja a sede da principal companhia de balé do país e se mantenha aberto todo o ano com uma oferta variada de artistas próprios e visitantes, musicais, patinação sobre o gelo, uma temporada lírica e companhias vindas da Rússia e China. Mas o comando é do balé da casa, que ganhou o carinho e o prestígio superando preconceitos e levando suas representações a lugares onde as pessoas nunca tinham visto um tutu.

O empenho de divulgação começou nos anos noventa, ao mesmo tempo que se construíam teatros com uma pressa que tinha a lógica de lutar contra o tempo: o perdido e o por ganhar. Como atrair um espetáculo refinado e de uma cultura alheia para aquela massa ferida, com muitas de suas lacerações ainda abertas? Era um desafio, uma maneira de provar que o balé é de verdade universal em seus postulados e na essência de sua estética. A história está aí mostrando um percurso terrível de segregação que também alcançou a dança, separando qualquer manifestação europeia (ou seja, de brancos) das non-Europeans oucoloureds. Na década dos quarenta surgiu uma tímida instituição de conservação do patrimônio coreográfico dos trabalhadores das minas de ouro (“the mines dances”) e há bastante literatura sobre o que sucedia nas arenas construídas perto de Witwatersrand, ao lado de Johanesburgo. Paralelamente, em Pretória e na Cidade do Cabo o balé era coisa de brancos. Mas a força da dança autóctone resistia a desaparecer e, já nos tempos de democracia real, apareceram os concursos, a legendária African Night e o festival anual de Dance Factory. Em 1946, antes de empreender sua trajetória europeia, o coreógrafo John Cranko já montava balés na Cidade do Cabo. Algo parecido aconteceu com a primeira companhia de Johanesburgo, criada em 1959 por Yvonne Mounsey. A Prefeitura da cidade a apoiava, mas a bailarina acabou indo para Nova York para se transformar na musa de George Balanchine. Mas a primeira a conceber um cenário monumental de bailarinos brancos e negros foi Veronica Paeper comEspartaco em 1995: a montagem teve tamanho impacto que, no ano seguinte, a lei das artes contemplou um balé para todos os sul-africanos sem distinção de cor da pele ou origem étnica.

Ninguém deixa escapar o significado do grande cartaz da entrada do Joburg Theatre: nele brancos e negros, sul-africanos e estrangeiros dançam e criam juntos a magia da dança. Fundado em 2001, The South African Ballet Theatre é o agrupamento profissional mais longevo em um país com tradição de companhias de vida efêmera. Por isso tem tantos olhos voltados para ela, na busca de um resultado que deu esperanças tanto a políticos como artistas, como se o balé pudesse funcionar como um aglutinador incontestável. As pessoas se referem ao The South African Ballet Theatre como “o sonho de Mandela”.
Atualmente o Joburg Ballet é cosmopolita e global; predomina o inglês com os mais variados sotaques. No Joburg há australianos, cubanos, franceses, ingleses e até alguns russos. A dança é universal, e ali tem não só de parecer assim, mas ser de verdade. É como se às tarefas artísticas tivessem de ser adicionadas obrigatoriamente as sociais e políticas.Em 2004 os membros do balé tiveram o impulso definitivo quando inauguraram, agregada ao próprio teatro, a sede estável da companhia e da escola, das oficinas vocacionais e de uma porção de iniciativas diversas com a dança como elemento motriz. Tudo era novo. Nos tempos do apartheid havia balé, mas ainda se recorda tacitamente que era coisa de brancos, e estava concentrado nas atividades protocolares de Pretória ou da Cidade do Cabo. A fama de Johanesburgo era a de uma cidade áspera e perigosa. O balé era outro gueto exclusivista, e tirá-lo dessa fama, romper esse muro, tem sido a tarefa principal de duas gerações de artistas.
O nome de Soweto entrou no âmbito da dança europeia por razões muito tristes: o coreógrafo sueco Mats Ek criou uma peça homônima em 1977 em memória dos terríveis acontecimentos de 16 de junho de 1976, quando mais de 500 estudantes negros, crianças e adolescentes, foram massacrados nos protestos contra a absurda iniciativa de impor o ensino da língua africâner. Ek convenceu sua mãe, Birgit Cullberg — fundadora do Cullberg Ballet de Estocolmo —, a dançar na obra, aos 69 anos. Depois foi filmada para a televisão e não se cansaram de representá-la, com sua mensagem amarga e redentora. Em 1991Soweto foi apresentada no banquete que homenageava Nadine Gordimer pela obtenção do Prêmio Nobel de Literatura, o que deu à celebração um tom grave e humano. A clara representação simbólica daquele horror ainda hoje emociona os sul-africanos. “Vivemos com essa lembrança e com as coisas que às vezes ainda acontecem. É nossa luta e nosso princípio”, afirma um profissional do balé. “Aqui colocamos nosso grão de areia, nossa contribuição, que além de simbólica tem uma visibilidade, uma maneira muito direta e compreensível de chegar às pessoas”, conclui. “Nossa linguagem, nossa representação da harmonia está à frente de outras linguagens, chega antes”, diz uma das bailarinas.

Chega-se a Soweto pela larga estrada de onde, do acostamento, de vez em quando é possível ver catadores de sucata carregados como mulas, cobertos de sujeira, perambulando ou retornando pelo caminho depois de terem conseguido alguns poucos rands com a coleta de restos. Transita-se por uma paisagem rude e modificada pela ganância humana, com a marca das antigas minas de ouro, a maioria delas hoje esgotadas e transformadas em sombrios monumentos. Já em Soweto, diante do museu que recorda a matança de 1976, há um discreto centro cultural de telhado vermelho no qual foi improvisado um modestíssimo jardim sobre o cascalho. Aqui o Joburg Balé vem várias vezes ao ano sem esforço divulgador. Não há um palco nem luzes espalhafatosas, mas um espaço aberto, limpo e com o cimento abrilhantado. Os artistas sentem a necessidade, o dever combinado com o amor, de iniciar as pessoas na dança clássica, às crianças nas escolas, aos que nunca vão à área dos arranha-céus, na arte do balé e sua estética.

sábado, 19 de dezembro de 2015

Tolerância, tolerância. Viver e deixar viver

As pequenas conquistas dos homossexuais no Uganda
Hostilidade, perseguição e prisão fazem parte do cotidiano dos homossexuais no Uganda. Mas, cada vez mais pessoas lutam contra os preconceitos e a discriminação. Há grandes problemas, mas também pequenos sucessos.









Numa pensão no subúrbio de Kampala, um jovem desenrola um tapete com as cores do arco-íris - símbolo do movimento gay e lésbico. Os homossexuais preparam um desfile para celebrar a diversidade em África, na capital do Uganda.

O Uganda tem uma das leis mais hostis do mundo em relação aos homossexuais, por isso, o que eles fazem aqui, pode colocá-los na cadeia.

Temeroso, o voluntário quer permanecer anónimo. "Você pode tentar se proteger tanto quanto você quiser. Você nunca sabe o que alguém está dizendo à mídia ou o que poderia talvez postar no Facebook," afirma.

Linha dura para os homossexuais
Entre os que não devem ter notícias sobre os preparativos do chamado Orgulho Gay está a parlamentar ugandesa Christine Abia. Atualmente, até 14 anos de prisão já ameaçam os homossexuais no Uganda. Há alguns anos, o Parlamento debate as possibilidades de agravar ainda mais as penas. Alguns exigem até mesmo a pena de morte.

A este respeito, Christina Abia adota uma postura de linha dura. Ela compara os homossexuais aos animais: "Até mesmo os animais, bestas, não se degeneraram tanto! Como é possível que pessoas com consciência então desorientem a si mesmas fisiologicamente?".

A sexualidade como um direito humano? Para a parlamentar, isso não existe. "Se pretende que isso seja um direito humano. Não! Pelo amor de Deus, isso é um erro humano," considera.

Difícil imaginar, mas Christine Abia fez seu nome como vigorosa defensora dos direitos das mulheres perante representantes de muitas organizações ocidentais. Seus pontos de vista sobre os homossexuais não se encaixam nessa imagem de ativista dos direitos humanos.

"A única coisa que se pode fazer com os homossexuais é jogá-los na água e deixar que bons peixes os comam," conclui a parlamentar.

Retaliações constantes
Richard Lusimbo, de 27 anos, é um dos que Christine Abia quer jogar como alimento aos peixes. O jovem ugandês pertence ao comitée que prepara o Orgulho Gay. Há dois anos, ele assumiu a sua homossexualidade. Desde então, teve que se mudar várias vezes - por causa de ameaças constantes.


Enquanto lava as louças em seu novo pequeno apartamento nos arredores de Kampala, o jovem revela seus planos para construir uma nova vida. Ele se pergunta: "O que aconteceu? Não sou diferente, mas porque as pessoas me tratariam de forma diferente agora ou pensariam que sou diferente, só porque agora sabem que eu sou gay? Isso realmente dói muito."

A homossexualidade ainda é um tabu no Uganda e o jovem acha difícil uma mudança de hábitos a curto prazo. "No Uganda, fala-se sobre sexo a portas fechadas. Essa é a diferença com o Ocidente onde você pode se manifestar nas ruas. É muito difícil fazer isso aqui," garante.

Mesmo assim, Richard se empenha na preparação do Orgulho Gay. O ponto mais alto será um desfile na praia de Entebbe, a cerca de 40 quilómetros de Kampala. Até recentemente, o especialista em computadores não teria coragem de ir às ruas lutar por seus direitos. Dois anos atrás, David Kato, um conhecido ativista gay foi assassinado em Kampala.

Jornalismo anti-gay
No início deste ano, também Richard teve que se esconder depois que um jornal publicou um artigo incitando os leitores contra ele. Entre as informações divulgadas estão o endereço de sua casa e os locais de estudo e trabalho de Richard.


"Então foi ameaçador, porque com seu endereço publicado, você não sabe o que pode te acontecer. Foi realmente assustador. Por isso, tive que ir embora," revela o ativista.
Repetidamente os tablóides no Uganda difamam lésbicas e gays, publicam até mesmo seus endereços. O radialista Charles Odongtho é um dos poucos apresentadores que já entrevistou um homossexual em seu programa - o que lhe trouxe enormes problemas.

Mas ele não é um defensor dos direitos dos homossexuais. Charles Odengtho acredita que por trás do movimento de gays e lésbicas no Uganda estão, com frequência, interesses muito diferentes.

"Acho que alguns ugandeses usam a homossexualidade para conseguir um visto para sair do país. Talvez eles acreditem que se forem para os Estados Unidos ou para a Europa terão melhores oportunidades," declara o radialista.

O argumento de que os homossexuais desejam benefícios financeiros ou asilo no estrangeiro, Richard Lusimbo já não quer ouvir. Apesar de todos os problemas, ele mesmo nunca pensou em deixar o Uganda.

Pequenos passos de uma longa jornada
Na manhã seguinte, os ativistas encontram-se no Teatro Nacional, em Kampala, e partem de ônibus para a praia de Entebbe onde terá início o desfile.
No embarque, as pulseiras dos participantes são minuciosamente controladas - por razões de segurança. No passado, muitos ativistas foram agredidos e abusados por grupos enfurecidos - alguns chegaram a ser presos. Isso ninguém quer experimentar novamente.

Na chegada a Entebbe, finalmente encontram-se com Richard Lusimbo que se atrasou porque teve uma conversa com o chefe da polícia local. Este insistiu para que o desfile do Orgulho Gay passe longe de ruas movimentadas. Caso contrário, eles seriam presos. Foi preciso pagar subornos? Richard prefere não comentar.

Por muito tempo os ativistas esperavam por este momento. No ano passado, a polícia pôs fim ao desfile do Orgulho Gay antes mesmo que ele começasse. Este ano, gays, lésbicas e transexuais marcharam sem perturbações, por meia hora, pela praia de Entebbe. Eles dançaram e balançaram bandeiras e balões coloridos.

Richard já sonha com um outro Uganda. Uma sociedade livre na qual gays, lésbicas e todos os outros possam viver juntos pacificamente.

Mesmo que ainda haja um longo caminho a percorrer, os ativistas acreditam estar um pouco mais perto da convivência com tolerância. E talvez marcharão não na isolada praia de Entebbe, mas pelo centro de Kampala.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Um presidente antenado!

Barack Obama escolhe música de Kendrick Lamar como favorita do ano

Categoria » Variedades






Para presidente dos Estados Unidos, “How Much a Dollar Cost” foi a melhor canção de 2015



É temporada de listas de melhores do ano, e a família mais importante dos Estados Unidos não ficou de fora de fazer escolhas relacionadas à cultura pop. Barack e Michelle Obama revelaram seus filmes, livros, programas de TV e músicas favoritos de 2015 à revista People.

Enquanto Michelle visa as paradas da música pop na escolha da canção – o hino funk/pop “Uptown Funk”, de Mark Ronson e Bruno Mars –, Barack vai um pouco mais fundo. O presidente norte-americano teve como música favorita de 2015 a faixa “How Much a Dollar Cost”, lançado porKendrick Lamar em To Pimp a Butterfly.

A atmosférica e hinpnótica faixa de Lamar – que traz um gancho de James Fauntleroy e uma participação de Ronald Isley, do Isley Brothers – é o centro emocional de To Pimp a Butterfly. “É uma história real”, disse Lamar ao MTV News. “Estes momentos da minha vida são muito mais profundos do que entregar um dólar a alguém.

“Estes são, na verdade, momentos de integridade, de ter condições de conversar com alguém”, acrescentou o rapper de Compton (Califórnia), sobre “How Much a Dollar Cost”, na mesma entrevista. “Eu conversar com [esta pessoa desabrigada] foi simplesmente um ‘muito obrigado’ de deus. E eu senti deus falando por ele para chegar até mim.”

Entre outras escolhas de Obama estão o filme de ficção científica Perdido em Marte, de Ridley Scott, o livro Fates and Furies, de Lauren Groff, e a série dramática The Knick. Já entre os eleitos por Michelle estão a animação Divertida Mente, a sitcom da ABC Black-ish e a autobiografia de Elizabeth Alexander, The Light of the World.


domingo, 22 de novembro de 2015

Infelizmente guerra na Africa

Atentado suicida do Boko Haram deixa ao menos 7 mortos no norte de Camarões
Agência Efe | Nairóbi - 21/11/2015 - 14h42
Hipótese é que grupo terrorista tenha usado mulheres carregando explosivos detonados à distância neste e em outros ataques














Caçadores e vigilantes nigerianos se agrupam contra Boko Haram na Nigéria; atentado em Camarões deixou sete mortos 

Pelo menos sete pessoas morreram e dez ficaram feridas neste sábado (21/11) em um atentado suicida realizado pelo Boko Haram em um vilarejo perto da cidade de Fotokol, na região do Extremo Norte de Camarões, segundo informou a imprensa local.

O atentado, ocorrido em Bourgade de Nigue, é o terceiro do tipo no departamento de Logone-et-Chari desde julho, com um balanço de 27 mortes e dezenas de feridos.

Em 12 de julho, outro atentado suicida tirou a vida de 12 pessoas em Fotokol, capital do departamento, que meses depois, no início de novembro, voltaria a ser alvo do grupo islamita nigeriano em outro atentado, que causou pelo menos cinco mortes.

A segurança na região do lago Chade, onde fazem fronteira Nigéria, Chade, Níger e Camarões, se deteriorou muito nos últimos meses, principalmente pelo aumento dos atentados suicidas.

 
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As forças de segurança trabalham com a hipótese de que não se tratam de atentados suicidas reais: o Boko Haram utilizaria meninas e mulheres para que carregassem explosivos com ameaças e integrantes do grupo costumam detonar as bombas a distância.

O Boko Haram matou mais de três mil pessoas em 2015, apesar de ter perdido a maioria do território que controlava na Nigéria e Chade, que no começo do ano começaram a coordenar ataques contra o grupo terrorista nos arredores do lago Chade.

Apesar dos avanços conseguidos, o Boko Haram continua sendo uma grande ameaça para a segurança da região, em parte porque a Nigéria e seus aliados regionais foram incapazes de mobilizar a força multinacional conjunta que firmaram no meio do ano. 

sábado, 14 de novembro de 2015

É muito sofrimento

'Se for negro, não entra': Polícia italiana impede refugiados de embarcar em trem para Alemanha
Janaina Cesar | enviada especial a Bolzano (Itália) - 26/07/2015 - 08h00
Vídeo: Em estação de Bolzano, na fronteira com a Áustria, autoridades exigem documentação apenas de imigrantes africanos; brancos não são parados








Em Bolzano, cidade na Itália que fica na fronteira austríaca, refugiados negros são impedidos de embarcar nos trens que partem em direção a Innsbruck, na Áustria, e Munique, na Alemanha. A polícia bloqueia as portas dos vagões: se o passageiro for branco, a passagem é permitida, se for negro, pedem pelo passaporte. Como nenhum refugiado possui a documentação, são impedidos de entrar. As polícias italiana, austríaca e alemã trabalham em estreita colaboração. A força trilateral, como é conhecida, nasceu em 2002 com o objetivo de previnir assaltos em viagens internacionais, mas hoje impede que refugiados deixem a Itália.

Janaina Cesar/Opera Mundi


Policial italiano: 'Se for negro, não entra . E se já está dentro deve ser controlado porque é quase certo que não tem documento'

Todos os dias, por volta das 9h da manhã, cerca de cem refugiados chegam à estação de Bolzano, ponto de acesso para ir à Alemanha e aos países nórdicos. No dia 29 de junho, uma segunda-feira, 80 desceram do trem noturno de Roma. A maioria vem de Eritreia, Sudão e Síria. Escapam da guerra, da fome e da miséria. Para conseguir chegar até a Itália, enfrentaram a morte de perto, atravessando o mar Mediterrâneo, que todos os anos faz centenas de vítimas.

Aisha, uma jovem mãe eritreia que viaja com a filha de 2 anos, conta que escapou de seu país por causa da perseguição religiosa. Ela quer ir para Munique, diz ter amigos lá. “Não quero ficar na Itália. Tenho amigos na Alemanha que estão me esperando e vão me ajudar quando eu chegar", conta.

Para quem está há cinco meses viajando, os 280 quilômetros que separam Bolzano de Munique representam pouco — mas são intermináveis. Durante os dez minutos em que o trem permanece parado para o embarque dos passageiros, Aisha e os outros observam os “brancos” entrarem sem problemas e se entreolham tentando entender o que está acontecendo. Mesmo mostrando a passagem de 69 euros de Bolzano a Munique, os policiais não os deixam entrar. Até aquele momento ninguém lhes explicou nada. Os policiais, aqueles que se dão ao trabalho de responder, gastam somente uma palavra: "passaporte". Sem mais.

Pele negra
Segundo declarou um policial italiano que pediu para ficar no anonimato, a cor da pele identifica quem são os refugiados sem documentos. “Se for negro, não entra . E se já está dentro [do vagão] deve ser controlado porque é quase certo que não tem documento”, diz o oficial, relatando qual foi a ordem recebida de seus superiores. “Sei que não é correto, mas é o modo mais fácil de identificá-los. Sabemos que nenhum deles possui visto ou passaporte e por isso não os deixamos entrar no trem internacional.”

O policial italiano diz ainda que nos trens regionais que partem do sul em direção à fronteira austríaca, o controle não é realizado. “Se o sistema de controle funcionasse, eles [os refugiados] nem partiriam do sul [onde ficam os centros de acolhimento]. Nós da polícia de Bolzano temos que enfrentar esse problema sozinhos”, afirma.


 Ainda que seja vedado esse tipo de auxílio pela legislação italiana — segundo a Lei nº 189, de 2002, ajudar um cidadão a entrar ou sair ilegalmente do país constitui crime de favorecimento à 'imigração clandestina' — alguns cidadãos sensíveis a situação dos refugiados, informam e até desenham atrás de passagens não usadas, o percurso que devem fazer para chegar até Munique. Praticamente, devem ir até Brennero, outra cidade italiana de fronteira, pegar o trem regional austríaco até Innsbruck e, chegando lá, pegar o regional alemão para Munique. Tudo isso torcendo para que a polícia local não os peguem e mandem de volta à Itália.

Somente em 2014, a Áustria devolveu cerca de 5.000 refugiados aos italianos. Isso, pois o Tratado de Dublin obriga que o pedido de asilo seja feito no primeiro país onde a pessoa é identificada. No entanto, das 6.000 identificações realizadas ano passado pelo polícia de Bolzano, ninguém retornou para formalizar o pedido de asilo.

Voluntários
Segundo Manoel, um dos voluntários que ajuda no acolhimento dos refugiados na estação de Bolzano, “alguns deles chegam aqui pensando que já estão na Alemanha, não sabem que precisam de documento e visto para entrar naquele país”. É fácil se enganar, porque em Bolzano tudo é bilíngue (italiano-alemão), da placa na estação aos anúncios nos alto falantes. “Explicamos que sem documento não podem pegar o trem internacional e os orientamos a irem com um trem regional à Brennero, uma cidade que fica na fronteira com a Áustria”, diz.


“Na medida do possível, nós os orientamos, mas às vezes a comunicação é muito difícil”, diz Luca de Marchi, também voluntário. “Quando chegam aqui, nós os levamos a uma sala que colocaram [na estação de Bolzano] à nossa disposição, fornecemos sacolinhas com alimentos, além de roupas e sapatos e assistência humanitária. Queremos que essas pessoas, nas poucas horas em que estão aqui, se sintam um pouquinho em casa. Já enfrentaram uma viagem alucinante e queremos oferecer um pouco de tranquilidade e serenidade.”

De Marchi confirma que o problema da discriminação existe, mas, segundo ele, é uma coisa pessoal. “Não se pode generalizar e dizer que a polícia é racista, nós temos um ótimo relacionamento com a força de ordem. Não acho que a questão principal seja a cor da pele. O problema realmente é a falta de documentos”, diz. Para ele, a melhor forma para contrastar a questão dos refugiados, “é trabalhar em silêncio, sem criar atritos”.


Rumo à Áustria
Aisha e um grupo de 60 refugiados decidiram escutar os conselhos de quem se arriscou com a lei italiana e resolveram embarcar para Brennero. Os outros preferiram ficar em Bolzano, para tentar embarcar no próximo trem internacional direto à Innsbruck e Munique — e tentar a sorte de topar com um policial que faça de conta que não os viu embarcar. Segundo Marco, isso já aconteceu, mas é coisa rara.

Uma hora e meia de viagem até Brennero com o trem regional italiano. Mais 13,50 euros de passagem. A bordo reina o silêncio. Alguns aproveitam para dormir, enquanto, no fundo do vagão, uma mãe amamenta seu filho. O trem para. Ponto de chegada. Da estação de Brennero se vê a fronteira com a Áustria. A estação é vazia. Nada de polícia italiana, alemã ou austríaca. Quando os policiais estão nas imediações, alguns atravessam a fronteira a pé, pelas trilhas paralelas à estrada principal. Mas desta vez não.


Essa brecha lhes dá tempo para pedir informação a um jovem que chegou na estação. O trem regional austríaco está ali parado e eles não podem perder a ocasião. O jovem, na maior paciência, os ajuda a comprar as passagens, uma a uma. Às 15h, parte o trem e em meia hora chegam Innsbruck. Aisha está feliz e deixa escapar um sorriso.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O Racismo escancarado do Brasil vai a televisão



Negros não estão representados na dramaturgia, diz diretor

Publicado há 2 dias - em 10 de outubro de 2015 » Atualizado às 12:09
Categoria » Questão Racial - Portal Geledes













 
Cineasta, diretor e roteirista gaúcho, Jorge Furtado, é autor da série “Mister Brau”, da TV Globo, estrelada por Lázaro Ramos e Taís Araújo, primeira série nacional protagonizada por personagens negros e ricos;



“O Brasil tem 52% da população negra ou parda e essa porcentagem não está representada de maneira alguma na dramaturgia, nem na TV nem no cinema. Os EUA, com 13% de população negra, têm mais negros protagonizando filmes e séries”, diz; para Furtado, o Brasil é uma país racista.

Cineasta, diretor e roteirista gaúcho, Jorge Furtado, é autor da série “Mister Brau”, da TV Globo, com Lázaro Ramos e Taís Araújo nos papéis principais. É a primeira série nacional protagonizada por personagens negros e ricos.

“O Brasil tem 52% da população negra ou parda e essa porcentagem não está representada de maneira alguma na dramaturgia, nem na TV nem no cinema. Os EUA, com 13% de população negra, têm mais negros protagonizando filmes e séries”, diz ele.

Questionado pela Folha de a intenção em ‘Mister Brau’ é abordar o racismo, o autor explica que este não é o mote, mas é uma questão que está presente de forma velada. “Nós somos um país racista, tivemos uma abolição tardia.

Essa divisão do país é importante, temos que falar disso para superar. Esse assunto está presente. A vilã (Fernanda de Freitas) não quer conviver com aquelas pessoas, quer se mudar. Ela não diz isso, mas tá ali velado. Ela quer chamar a polícia quando vê os novos vizinhos na piscina. Tá ali também o desconforto com uma ascensão social, uma classe que chega para dividir os espaços”, afirma.